30 de outubro de 2008

Uma elegia de quarta-feira


Na sala fria que passo o dia
Preciso aprender a ficar calado
Como um avestruz no deserto.

Na sala de janela de vidro
Fico invisível na cortina
E transparente na paisagem.

No ambiente onde trabalho
Mãos de mulheres novas
Cheias de ternura e solidão.

Nos corredores de labirintos
Não sou poupado das aflições
Oferecem-me absinto e veneno.

O vento não abafa as palavras
Que são proferidas contra mim
Nos entremeios do fim do dia.

As ciladas que armaram
Naquela sala sempre fria
São velozes como águias do céu.

Na sala fria onde trabalho
Não há sombra, luz, cor
Nem o atlântico nem o pacífico.

Em pleno horário de verão
A sala muito ampla fica cada dia
Mais fria, infalível e resplandecente.

E aquilo que eu não posso fazer
Deixo reteso o arco com suas setas
Para o alvo oculto dentro do meu coração.

Na sala fria caçam-me como um pardal
Mudo, calado sem nenhum canto
Invadindo as árvores, os muros e as ruas.

Na sala fria de paredes brancas
Espreitam contra os meus passos
E distorcem as palavras dos meus lábios.

Na sala sem cheiro, sem gás e sem pó
Vejo o fim que se aproxima
Como uma estrela do hemisfério sul.

Na sala fria tenho que ficar impávido
Entre sombras embriagadas e gasosas
Sem poder, sem paixão e sem alma.

Nesta sala fria não cabe nada
Nem a minha voz de sangue e estridente
Nem meus cabelos alvos: “aqui não ficarão”.

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