16 de outubro de 2007

Ditadura / Nunca Mais









1

Meus pais dormem, o sono eterno,
Desarmardos de amarras e necessidades.
Do meu pai, ganhei a emancipação e o espirito livre;
Da minha mãe, herdei o delírio e a paixão.
Mas, da minha avó, aprendi a ter paciência
Ela, na boca de um forno a lenha,
Assava os bolos e as brevidades.
Só então compreendi que os maus
Podem dominar a escuridão da noite
Mas não conseguem segurar os raios do romper
De um novo dia.

2

O meu filho mais velho,
nasceu no dia do primeiro comício das Diretas Já.
Eu acho que é da dor do parto,
Da minha mulher, que renasceu a esperança
Para um povo oprimido e violentado
Por uma ditadura tão improcedente
Feroz e cheia de dentes.
Eu pai de primeira viagem contente.
Meu filho chorava no berço.
Minha mulher suava na cama.
E o comício agitava o Vale do Anhagabaú.
E eu embalando uma dor e uma alegria.

3

Eu estava lá.
Quando o poeta Thiago de Melo,
no teatro Brigadeiro Luís Antônio,
trouxe o seu livro de poesias de baixo do braço.
Mas não era poesia não
Era o "Estatuto do Homem"
E ele, com a sua voz de nortista,
começou a declamar o primeiro verso:
"Todo Homem tem direito..."
E eu, que estava lá, só arrepiei.

4

Eu estava lá.
Quando o poeta Ferreira Gullar,
na livraria Civilização, do conjunto nacional,
ali bem no começo da avenida Paulista.
Com os cabelos compridos e a boca grande
Lançou os seus poemas sujos de tantas lutas,
idas e vindas clandestinas para passar um País a limpo.
E eu, que estava lá, entrei na fila para pegar um autógrafo.

5

Eu estava lá.
Quando o maluco do Raul Seixas,
no teatro Bandeirantes na avenida Brigadeiro Luís Antônio,
começou o seu show gritando palavras de ordem.
E a polícia do exército fechou as portas a ponta-pés.
Rasgando as cortinas do palco e encerrando o espetáculo.
E eu, que estava lá, não recebi o meu dinheiro de volta.

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